terça-feira, 29 de setembro de 2015

Introdução

É dia 29 de setembro e eu decidi começar um livro. Pra isso fui até a cozinha, peguei uma caneca, esquentei água, coloquei dois sachês de chá que eu estava bem certo serem do mesmo sabor e comecei a escrever. Moro em uma pensão no centro de Niterói e achei que escrever na cozinha ia ser um jeito romantico de passar a solidão. Logo percebi que de uma madrugada romântica na cozinha meu encontro com o computador foram minutos de terror enfestado por pernilongo e agora todos os meus membros estão coçando em diversos lugares.Mas isso não importa, o que importa é que decidi escrever um livro. Que ideia idiota. Todo mundo de vez em quando tem a ideia de escrever um livro. Eu já vou me desculpar logo, tirando uma coisa aqui outra alí eu não sei a nova ortografia (ainda é, eu sei, que vergonha, já estamos em 2015 e eu nem sei mais se a nova ortografia pode ser chamada de nova mais). Mas eu ainda não sei. E não sei também onde isso vai chegar. Sabe, não é a primeira vez que eu tento escrever um livro. Bem, todo mundo tenta escrever um livro eu acho. Eu já tentei vários. Esse aqui é só mais um livro.
 Enfim, é 29 de setembro e eu tive que voltar para o quarto. É impressionante como tudo que eu pensei nesse trajeto quarto - cozinha e logo depois cozinha - quarto é bem melhor do que o que eu escrevi até aqui. Talvez meu bom não seja as palavras, mas se eu focar nisso agora esse livro não sai do segundo parágrafo... São quase uma da manhã de 29 de setembro de um ano qualquer. Estou na faculdade caso se interessem e faz quatro meses que estamos em greve. Quatro meses que estamos em greve e quatro meses que eu não faço nada da minha vida a não ser ficar trancado sozinho num quarto, encarando a tela de um computador, hora jogando, hora lendo apesar que quase nunca lendo e, alternando com viagens regulares a casa da minha mãe e do meu pai (eles moram juntos eu apenas não acho educado usar o termo "pais" pra se designa aos dois) e algumas esporadicas voltas com a minha namorada, Núbia.
 Navegar na internet quando você tem todo o tempo do mudo pra fazer isso por mais de 90 dias passa de um hobby interessante para uma quantidade enorme de tempo perdido rápido demais. Sartre ou alguém (eu sou péssimo em lembrar das coisas por completo), disse que quem não gosta de estar sozinho é porque está em péssima companhia ou algo assim. Imagino que ele nunca tenha que ter ficado 90 dias sozinho, dentro de um quarto de frente pra tela de um computador.
Hoje particularmente foi um desses dias mais difíceis em que a solidão te pega de cheio. Um daqueles dias que até a internet, que recebe milhares de milhões de bits de informação por segundo, parece monótona. É impressionante como depois de suas semanas na mesma cidade que a Núbia sem dar eu ter dado sinal de vida, justamente no dia que ela viaja pra longe eu sinto uma vontade enorme de passar mais tempo com ela. Talvez isso queira dizer algo mais, mas provavelmente é só esse desejo que todos nós carregamos e nos envergonhamos de não conseguir se dar ao luxo de perder a possibilidade de algo.
Solidão é um pouco disso né ? É saber que a grande maioria das outras pessoas do mundo tão fazendo esse grande algo ou esse monte de grandes algos e voce tá sentado no seu sofá sozinho vendo algum seriado idiota enquanto oscila entre querer muito um cigarro, querer ficar bêbado e querer se matar.
Todas as pessoas solitárias fumam ou tem gatos ou fumam e tem gatos. E inevitavelmente essas são as quatro melhores coisas pra solidão mesmo. É claro que a quarta é o álcool. Ou cocaína, mas eu não acho que deveria colocar isso num livro, principalmente no que eu acredito que ainda seja a primeira página. E eu que quando comecei a escrever achei que fosse ser um projeto infanto juvenil. Agora já nem sei. Talvez eu tenha pensado infanto juvenil porque acho que um adulto lento um livro que é escrito no formato de um blog ia ser ridículo. Em resumo: eu me acho ridículo e só posso esperar de uma pessoa ridícula que o livro que ela escreva seja igualmente ridículo. Esse livro está fadado a não ser concluído, mas pra além disso, ele está fadado a ser uma bosta.
O chá está acabando e é exatamente por isso que eu queria ter ficado na cozinha. A ideia era me entupir de chá, inclusive eu esqueci de dizer que eu estava errado sobre os sachês e estou tomando um chá metade camomila metade hortelã. Recomendo. O por que d'eu não saber de que é cada sachê ? O ventilador sempre derrubava os pacotes de chá com os sachês dentro então um dia eu me irritei e joguei todos os sachês dentro de um pote e joguei no armário e hoje é a primeira vez que eu tomo chá desde que me mudei pra cá e fico me perguntando por que demorei tanto pra voltar a tomar chá. Mas pensando bem, é a primeira vez que eu paro pra escrever também desde que me mudei pra esse quarto individual dentro de uma pensão no centro de Niterói e é a primeira vez que eu escrevo esse ano e a última vez que eu escrevi eu só posso supor que eu estava me sentindo tão sozinho quanto.
É muito fácil devorar palavras. Novamente preciso me desculpar. Nossa já é a terceira vez e a gente ainda está no comecinho do livro. Mas dessa vez é uma desculpa concisa. Eu não sei sobre o que esse livro vai ser. Ora, até duas horas atrás eu nem pretendia escrever nada, mas daí a vontade de conversar com alguém me ultrapassou de uma forma tão forte e eu não tinha ninguém. Ninguém que eu pudesse ligar as uma da manhã e perguntar "você quer trocar uma ideia, fumar uns cigarros ?"
Aliás, faz muito tempo que eu sinto que eu não tenho ninguém. Digo, ninguém sem ser meus pais e a Núbia. Mas tem coisas que ninguém conta pros pais e tem coisa que eu não consigo conversar com a Núbia. Não porque não confie nela ou algo do tipo, mas porque... bem, é bem difícil conversar com ela e provavelmente seja bem difícil conversar comigo. Os resultados são que eu não paro de falar e ela não me corta pra me responder e entramos num dos meus monólogos infinitos, sistemáticos e extremamente metafísicos. Inclusive, bem vindo a o maior de todos os meus monólogos.

CAPITULO 1 :