Choveu
Choveu e ainda chove e
como chove
quer dizer
já nem chove tanto mas
ainda posso sentir a chuva na minha pele
Na minha roupa. Nos meus
cabelos.
Mas foi logo no meio de
tanta chuva e tanta sujeira e tanta indecisão que ela resolveu
aparecer
Saída, linda.
Vinda de dentro de uma
loja, ou do fim do corredor, Não sei.
Sei que veio e eu percebi
logo quando veio e alí me hospedei, por alguns segundos, naqueles
olhos, naquele cabelo. Naquele corpo tão menor que o meu. Ou às
vezes nem tão menor que o meu assim.
Alí me hospedei por duas
vidas inteiras.
Não era um corpo qualquer
e eu sabia. Era um corpo daqueles que te faz querer largar tudo. Que
me fez esquecer tudo por um segundo e só pensar em como aquele corpo
era belo e como eu não queria abandoná-lo.
Foi aí que o corpo, ou o
sujeito por trás do corpo me notou. E quando me notou também me
notei e vi que estava sorrindo. Olha só. Eu.
Molhado de chuva,
totalmente perdido, jogado. Nem no meu melhor nem no meu pior.
Perdido em um corpo que não era meu. Fazendo algo que não era seu
e sorrindo.
Sorrindo.
Fazia tempo se é que me
lembro de alguma vez que sorri for a do meu corpo.
Fora, é.
Porque o que estava
sorrindo não era eu.
Era meu. Ou melhor.
Dela.
E ela viu
e eu vi
e ela sorriu.
Ela sorriu em mim.
Ou pra mim, ou de medo ou
confusa.
Talvez tenha se perguntado
“será que a gente se
conhece?”
E esboçou um “oi”
eu ouvi
ela ouviu também. Eu sei.
E ela passou. Ela passou e
foi e fim.
Eu virei, ainda
acompanhando-a com os olhos
vendo o último rastro de
mim voltar a si
e ver o último rastro
dela também
e ela foi.
E provavelmente a gente
nunca mais se ver
e eu fico aqui me
perguntando se ela também foi tocada
Porque eu fui, eu sei.
E a gente nunca mais vai
se ver e eu vou continuar procurando
Por aquele sorriso
Aquele oi
aquele eu.